13.5.06

O espaço interior / 1



Compreender como funciona o cérebro parece ser um dos problemas que continua a carecer de uma resposta definitiva. Kelvin Lim desenvolveu uma nova tecnologia que ajuda a esclarecer certas zonas de obscuridade. Mas que, muito provavelmente, suscitará também novas questões.

11.5.06

Matt Mullican - Culturgest, 06.05.2006, 17h00


Uma sala rectangular ampla, alta, comprida, branca, várias dezenas de pessoas compondo uma assistência atenta, e quase sempre silenciosa. As três paredes do fundo recobertas de papel de cenário, criando uma superfície lisa, intacta; sobre o chão, um pequeno palco quadrado, negro. Um pequeno planalto - aqui, não para observar, mas para ser observado. Do lado direito do palco uma cadeira, uma mesa, objectos avulsos sobre ela: pacote de leite, biscoitos, chávenas, uma máquina de café em laboração. Diante do palco, entre este e a assistência, uma cama/maca, inteira no seu lençol alvo, na sua almofada enfronhada.

A indução do transe faz-se num aposento lateral, e o sujeito entra assim na sala já em estado de hipnose. Há uma parede invisível, insensível, entre ele e a assistência - esta não poderá atingi-lo. Ele está pois entre quatro paredes e será ali, no seu «quarto», que amanhecerá. Mas não sem convulsões: os habituais equilíbrios psíquicos implodiram, ele torna-se ululante, carente, implorante. Arrasta-se no chão clamando por um jornal, o seu jornal. Só conseguirá erguer-se após o que parece ser um momento de resolução/afirmação das tensões interiores.

Percorre então o espaço até à mesa. Sobre ela, encontrará o seu jornal, facto que nitidamente o tranquiliza. Aproveita essa pausa para encher uma chávena de café. Traz o jornal e uma cadeira para cima do palco, e senta-se, confortando-se no seu café e na admiração do seu jornal. Depois, mais resoluto, ergue-se e percorre mais vagarosamente o espaço restante. Dirige-se ao canto esquerdo, e parece contemplar por um instante a alvura do papel, antes de atirar sobre ele o café que restava na chávena.

Regressa à mesa. Entre os objectos encontra um pincel, uma vasilha, um frasco de tinta. Começa a entoar uma ladainha, uma lengalenga enquanto despeja alguma tinta para dentro da vasilha e a agita com o pincel. Sobe ao palco, ao mesmo canto esquerdo onde derramara o café, e que daí em diante funcionará como fulcro de expansão. A partir dessa esquina, começa a traçar com o seu pincel os limites do papel de cenário - os limites da praticabilidade - primeiro no topo superior, depois no inferior, primeiro na parede esquerda, depois na central, finalmente na do lado direito.

Terá entretanto que se reabastecer de tinta para, quando a esquadria fica completa, regressar uma vez mais ao canto esquerdo e traçar ali algumas elipses, de um e outro lado, originando uma figura, algo que se assemelha a uma antena. Depois, em toda aquela superfície interior à esquadria que delimitou, começa a desenhar alguns algarismos (de 1 a 9), em diferentes tamanhos e formatos e numa disposição que não aparenta qualquer relação numérica, mas antes uma topografia, uma determinação de zonas prioritárias de intensidade, uma localização estratégica de campos de energia. Findo esse processo, estabelece traços, grafos, relações entre eles. Finalmente, preenche certos espaços: a barriga de um grande 6, os braços de um 3 mediano (que então se tornam arborescentes!), e assim por diante.


Toda esta tarefa causa-lhe um esforço intenso. A partir daí começará a regredir, até se tornar novamente um ser inofensivo e impotente, semi-homem/semi-criança, que se arrasta uma vez mais pelo chão clamando contra si próprio e bradando alto sobre como nunca conseguirá nada na vida, e sobre o triste espectáculo que dá de si mesmo. Acalmar-se-á, levantar-se-á. Por um instante, fica estático, fixando algo junto ao canto direito da sala. Depois, com a cabeça, saúda o que está à sua frente, o que está à sua esquerda, o que está à sua direita. E sai, pela mesma porta por onde entrara. Não houve palmas.


A insólita performance de Matt Mullican na Culturgest durou perto de uma hora e meia. Quem não teve oportunidade de assistir a ela, pode ler mais sobre este artista norte-americano, ou visitar a exposição das suas obras que está patente em Lisboa até 3 de Junho.