21.7.06

Contra o Dia?





Thomas Pynchon, o romancista que não dá entrevistas nem se deixa fotografar desde os idos da década de 1950, tem um novo livro. Intitula-se «Against the Day», e será publicado em Dezembro pela Penguin. No sítio internet da editora publicou-se uma irónica descrição da obra, que mais tarde foi retirada. Afinal, parece que tinha sido escrita pelo próprio autor.

20.7.06

Sobre a importância da verdade




«As pessoas providas de inteligência tendem a usá-la para demonstrar que as coisas são ao mesmo tempo verdadeiras e falsas, tentando então impôr tudo o que quiserem com o seu raciocínio arguto. Isto é um insulto à inteligência.

Nada do que se fizer terá qualquer efeito se não se usar a verdade»


in Yamamoto Tsunetomo, Hagakure (século XVIII)

Sobre a essência da música






«Após haver meditado longamente sobre a essência da música, recomendo a fruição desta arte como a mais requintada de todas. Nenhuma outra há que actue mais directamente, mais profundamente, porque nenhuma outra há que revele mais directamente e mais profundamente a verdadeira natureza do mundo. Escutar grandes e belas harmonias é como dar banho ao espírito: purifica-o de toda a impureza, de tudo o que é mau, mesquinho; eleva o homem e deixa-o em acordo com os mais nobres pensamentos de que ele fôr capaz, e ele sente então tudo o que vale, ou antes tudo o que ele poderia valer.»

Arthur Schopenhauer, Fragmentos Póstumos, 373 (Leipzig, 1864)

Inteligência eléctrica - 4




Como reduzir ou eliminar as emissões planetárias de carbono, conseguindo ao mesmo tempo gerar energia bastante para acomodar um crescimento anual de 3% na economia mundial?

O problema tem dimensões inauditas, e Marty Hoffert, professor de Física na Universidade de Nova Iorque, propõe que se recupere uma ideia avançada por Buckminster Fuller na década de 1970 : recorrer à engenharia e à tecnologia aerospacial para a construção de grandes espelhos fotovoltaicos que seriam colocados em órbita geostacionária de forma a captar a energia solar acima da atmosfera. E defende esta ideia em artigo publicado na Technology Review.

Ver também Inteligência eléctrica-3

Mundos Virtuais - 2




A nanotecnologia é uma das áreas de investigação que mais promessas de futuro oferece actualmente. Mas não está isenta de riscos - e, entre estes, avultam a sua possível toxicidade para os organismos e, claro, as hipóteses sempre plausíveis de contaminação da biosfera. O debate está em curso.

Entretanto, em Austin, a Universidade do Texas decidiu criar um novo centro de investigação dedicado à nanoelectrónica.

17.7.06

Do mundo como ser vivo







«É pois necessário aceitar como princípio que o universo é um vivente único, o qual compreende todos os seres vivos que lhe são interiores, e que possui uma alma única, a qual se estende em todas as suas partes... Existe pois uma simpatia entre todas as partes desse ser unificado; e ele é como um único ser vivo, no qual as respectivas partes estão próximas apesar da sua distância (...) As partes semelhantes, sem serem contíguas, e se bem que separadas entre si por partes diferentes, são semelhantemente afectadas devido à sua similitude; e é necessário que se transmita à distância um efeito que não é de origem contígua, porque num ser vivo existe uma finalidade única, e nenhuma parte está localmente tão separada que todavia não esteja próxima, em virtude da simpatia natural que unifica o ser vivo.» (IV, 4, 32)

«O mundo aqui de baixo não é verdadeiramente uno; é múltiplo, e de uma multiplicidade que resulta da divisão em partes distantes umas das outras, estranhas umas às outras. Não é somente a amizade que aí reina, mas a rivalidade derivada da dispersão na extensão, porque a carência necssariamente provoca a hostilidade recíproca. Cada parte, com efeito, não se basta a si mesma; para se conservar tem necessidade de outra, e assim se torna agressiva relativamente aquela de que tem necessidade para se conservar.» (III, 2, 2)

Plotino, Eneadas

Israel e o Líbano, segundo Noam Chomsky



Sintético e clarividente, Noam Chomsky traçou em breves palavras um retrato do que está a suceder no Líbano durante uma entrevista radiofónica com Amy Goodman para a estação norte-americana Democracy Now. A transcrição da conversa, bem como a gravação da mesma em formato Mp3, podem ser obtidas aqui.

Destaque: «As always, things have precedence, and you have to decide which was the inciting event. In my view, the inciting event in the present case, events, are those that I mentioned -- the constant intense repression; plenty of abductions; plenty of atrocities in Gaza; the steady takeover of the West Bank, which, in effect, if it continues, is just the murder of a nation, the end of Palestine; the abduction on June 24 of the two Gaza civilians; and then the reaction to the abduction of Corporal Shalit. And there's a difference, incidentally, between abduction of civilians and abduction of soldiers. Even international humanitarian law makes that distinction.»

Entretanto, durante a reunião do G8, em São Petersburgo, alguns microfones indiscretos captaram a conversa entre o presidente dos EUA e o primeiro-ministro britânico.

16.7.06

Fim de Semana


Estirado na areia, a olhar o azul,
ainda me treme o parvalhão do corpo,
do que houve que fazer para ganhar o nosso,
do que houve que esburgar para limpar o osso,
do que houve que descer para alcançar o céu,
já não digo esse de Vossa Reverência,
mas este onde estou, de azul e areia,
para onde, aos milhares, nos abalançamos,
como quem, às pressas, o corpo semeia.

Alexandre O'Neill (1969)

Wittgenstein explicado às criancinhas
















1.-Sentir presenças básicas: sentir acima e abaixo, à esquerda e à direita, à frente e atrás. Notar o Antes e o Depois, o Aqui e o Ali.

1.1.- E estar-se destacado no horizonte, erguido numa orientação vegetal - para a luz e o azul, escapando à treva e à terra. Sentir-se dirigido.

2.- Ver, como os animais. Numa direcção nova, que estabelece um paralelo aos pés, à lama. Igualmente sem fim - o término horizontal é o ponto imaginado para onde a visão me impele. Acolher o confronto com a outra direcção, o meu vértice, que me atrai.

2.1.- Observar a minúcia que obtenho a partir daquilo que é próximo. Coisas que identifico, coisas a que posso dar nomes. E nomes por onde as posso reconhecer. Como «cão», ou «árvore», ou «Ana», ou «Filosofia», ou «3/4», ou «Lisboa».

3.- É aqui que começo a pensar. Como utilizo eu um processo único para atribuir nomes tão semelhantes a coisas tão diferentes? E que são diferentes por tão inumeráveis razões (Quais serão? Poderei enumerá-las? Mas para que serve o número?).

4.- Pensando melhor, que posso fazer com os nomes? Falar contigo, se estiver disposto a isso (é uma forma de gastar o tempo), e dizer-te: «Gosto muito de ti», ou «Os polvos classificam-se na categoria dos octópodes», ou «Nunca mais chega, esse autocarro», ou então «Vê se te evaporas». Desde que fales a mesma linguagem.

4.1.- Senão, reservarei os nomes para uma qualquer utilização futura; se os escrever eles ficarão guardados, e o que significam. É um modo de alongar a memória - e uma forma de iludir o tempo que continua a passar. Quero dizer: uma forma de o negar: e ainda que eu não recorde, alguém recordará.

5.- Pensando melhor ainda: que faço eu quando utilizo os nomes que criei? Quero dizer, o que é que eu estou a fazer, quando faço isso? E o que é que estou a fazer, quando junto os nomes em frases? Quero dizer: de onde trago os nomes que só aparecem nas frases (se digo que «isto é aquilo», por exemplo)? Que querem eles dizer? Que quero eu dizer? Quero dizer o que penso? Aquilo que penso será aquilo que digo, os nomes? Será que penso com os nomes, quando julgo estar a pensar em meu nome?

6.- Se existe uma ética nisto, não vejo qual seja. Certas coisas não se podem dizer, têm de mostrar-se.

6.1.- Às vezes, imagino-me por detrás de um véu que transparece entre mim e o mundo. É um véu onde se encontram todos os nomes, sustentados por débeis fios que os ligam a todas as coisas; e mantidos entre si por fios ainda mais débeis. Na minha imaginação, são todos esses fios que acabam por tecer o véu, véu que me separa das coisas, coisas (o que eu vejo e quero e toco e sinto) que estão sempre para além do véu, o que me causa uma certa ânsia.

6.2.- Em suma, julgo que apenas devemos dar importância às coisas que são realmente importantes. Isto parece-me lógico. O resto não vale a pena - só motiva um esforço vazio e tonto, que sempre traz grandes confusões e sarilhos. Porque, mesmo quando nos expressamos na mesma linguagem, nem sempre falamos a mesma língua. Nem sempre partilhamos um só entendimento acerca de cada estado das coisas. E a discussão é, assim, inevitável. Parece-me mais saudável estar prevenido - ser claro em tudo na linguagem. Por higiene. Para evitar embaraços. Como o flúor afasta os germes, assim eu afastarei as expressões confusas.

6.2.1.- Por outro lado, devo ser mais construtivo e optimista. Devo encarar isto como um jogo: falamos a mesma linguagem, mas o que fazemos com ela pode não ser concordante. E por vezes, se calhar, não pode mesmo ser concordante. Podemos dar por nós, então, a meio de uma conversa de surdos; num jogo onde cada um altera a regra a cada instante. Sem possibilidade de uma saída conjunta, sem um final feliz. Uma conversa que se pode tornar interminável. E um jogo que seria o passatempo total.

6.2.2.- As combinações possíveis! O número! Tempo não me falta, para o cálculo. Se tivesse vontade, podia procurar a fórmula ideal para o jogo, a fórmula ideal para mim, o lance que me permitiria sempre a certeza da jogada porque certeza é coisa que nunca tive (conheço o nome).

6.2.3.- Ressalva. Que me queimo se puser a mão no fogo: eis o que é certeza.

6.3.- Exceptuando o que é matemático (o que se repete), sempre que falo e afirmo, o que quero dizer é que sinto que tem que ser assim. Não me tomo por um iluminado, confesso até um certo pendor para o oculto. Mas a minha tendência vertical diz-me que não e a minha tendência animal diz-me que sim. Cruzado em duas direcções, não me decido entre o meu vértice e o meu vórtice, o céu e a lama. Não sei ser herói, nem mártir, nem santo, nem herético. São assuntos sobre os quais não me pronuncio, porque suponho que aquilo de que se não pode falar deve calar-se.

7.- No fundo, além de ti não existem mistérios: somente problemas indecifráveis. Se estiver bem disposto ao jogo, e tu, podemos desenvolver um outro estado para as coisas. Podemos conversar, passar o tempo. Enfim, ter relações.

© Jorge P. Pires
(publicado originalmente no semanário Blitz nº 244, 4 de Julho de 1989)