
«(...) Propomos uma exegese hermenêutica esotérica da palavra de ordem surrealista «Mort aux vaches!». Cremos que ela se refere não às mortes de chuis individuais («vacas», no calão desse período) – mera fantasia esquerdista de vingança – mesquinha reacção sadista – mas antes à morte da image do flic, do controlo íntimo e das suas miríades de reflexos no Lugar Sem Lugar dos media – o «quarto cinzento», como lhe chama Burroughs. A auto-censura, o temor dos seus próprios desejos, a «consciência» como voz interiorizada da autoridade-consenso. Assassinar estas «forças de segurança» equivaleria deveras à libertação de dilúvios de energia libidinal, mas não ao violento amok previsto na teoria da Lei e da Ordem. A «ultrapassagem» nitzscheana fornece princípios de organização ao espírito livre (bem como à sociedade anarquista, pelo menos em teoria). Na personalidade do estado policiário, a energia libidinal é retida e depois canalizada para a auto-repressão; qualquer ameaça ao Controlo resulta em espasmos de violência. Na personalidade de livre espírito, a energia flui sem peias, e por conseguinte de forma turbulenta mas gentil – o seu caos encontra o seu atractor estranho, permitindo o surgimento de novas ordens espontâneas.
Neste sentido, portanto, apelamos a um boicote à imagem do Chui e a uma moratória sobre a sua produção em arte. Neste sentido...
MORT AUX VACHES!»
in Zona Autónoma Temporária: Lisboa, trad. Jorge P. Pires, Frenesi, 2000