5.6.06

Raul Indipwo (2 - o Duo Ouro Negro)










Em 1959, os amigos de infância Raul Indipwo e Milo Macmahon (ou Raul Cruz e Emílio Pereira, como foram conhecidos até 1973) fundaram em Vila Carmona, Angola o Duo Ouro Negro, cujo repertório, entre baladas e danças, era apresentado como um elenco do folclore angolano, das suas várias etnias e línguas. Milo trabalhava como regente agrícola e Raul era tesoureiro de uma firma de Luanda. Nesse mesmo ano, ao vê-los num espectáculo na capital angolana, um empresário lisboeta interessou-se pelo grupo e convenceu-os a virem actuar na Europa.

Lisboa serviu apenas como ponto de partida para uma carreira internacional que, ao longo da década de 60 os tornaria conhecidos na Europa, em África, e mesmo na América Latina e no Japão. Os primeiros discos gravados em Lisboa constituiram êxito imediato, a que se seguiram variadas exibições na rádio, na televisão e em diversas casas de espectáculos. Entre 1960 e 1963 efectuaram várias digressões na Europa, nomeadamente em Espanha (onde a Embaixada de Portugal lhes atribuiu a Medalha de Mérito), França, Suécia (onde a principal actuação foi no «Burns», em Estocolmo, com Eartha Kitt) e Finlândia, além de Angola e Moçambique. Após a gravação do álbum «Mulowa África», estrearam-se em 1965 no palco do Olympia, em Paris. Em 1966 - enquanto em Lisboa lhes era atribuído o Prémio da Imprensa - actuaram na Salle Garnier da Ópera de Monte Carlo, especialmente para os Príncipes do Mónaco, durante as comemorações do IV centenário daquele principado, e foram filmados em Paris para o programa televisivo «Les Argonauts». Em 1967 actuaram no Olympia durante três semanas em Maio e três semanas em Outubro, e participaram em vários espectáculos nas televisões europeias. Foram então convidados a actuar no II Festival Internacional de Música Pop do Rio de Janeiro, onde acabaram galardoados com a Medalha de Ouro, fazendo depois vários recitais no Teatro Cecília Meireles e no Canecão. No mesmo ano - aquele em que um dos ritmos da moda parisiense era a «kwela» lançada pelo Duo Ouro Negro - foram uma das grandes atracções internacionais convidadas a participarem no «Rendez-Vous avec Danny Kaye», um espectáculo de comemoração do 20º aniversário da UNICEF, transmitido em directo do Alhambra, em Paris, para mais de 200 milhões de telespectadores.

A partir de Paris ganharam o Canadá em 1968, com actuações em Montréal, no Teatro Maison Neuve, sendo os recitais acompanhados por excelentes críticas na imprensa. Foram assim convidados a actuar na gala de Abertura do MIDEM (então na sua terceira edição), e daí partiram para concertos em Bruxelas (Teatro Ancien Belgique), Liége e Antuérpia. Actuaram no programa «Europa 1», inaugurando um novo canal televisivo a cores em Bremen, Alemanha. Participaram também no Festival de Split, Jugoslávia, que foi transmitido em directo pela Eurovisão e Intervisão. Nesse mesmo ano, culminando uma intensa mas casuística colaboração com a RTP em programas de variedades, o Duo Ouro Negro concebeu e apresentou uma produção televisiva original, «A Rua d’Eliza», uma opereta africana com música, texto, coreografia e direcção de cena assinadas por Raul e Milo. O programa seria depois seleccionado para representar a televisão portuguesa no Festival de Milão. Antes de 1968 chegar ao seu termo, o Duo foi ainda aos Estados Unidos pela primeira vez: actuaram em Nova Iorque e em Chicago, e assinaram um contrato de representação com a Columbia Artists Management, preparando uma futura e mais intensa deslocação nos EUA.

Em 1969, na Argentina, fizeram dois recitais no Teatro Maipu, em Buenos Aires, gravaram quatro espectáculos televisivos e ainda o LP «Ouro Negro Latino», que em Portugal foi editado com o título «Sob o Signo de Yemanjá». O disco inclui a canção «El Fuego Compartido», composta para um grupo de estudantes argentinos, e também alguns trechos de Ataualpa Yupanki. Regressaram à Europa e a África para novas digressões, antes de, em Nova Iorque, actuarem no Waldorf Astoria.

Foi apenas em 1970 que consumaram a sua almejada digressão norte-americana. A 16 de Janeiro desse ano, a revista «Nova Antena» publicava uma reportagem da conferência de imprensa dos cantores no aeroporto de Lisboa, de partida para dois meses de digressão no Canadá e Estados Unidos. O empresário do grupo, Carlos Robalo, dizia aos repórteres presentes que aquilo que iriam ganhar era «O suficiente para não pensarmos mais em contratos em Portugal». Fariam 43 concertos em universidades e teatros de 37 estados diferentes, entre os quais o teatro da Metro Goldwyn Mayer, em Hollywood e Las Vegas. Após nova digressão por Angola e Moçambique - e uma noite de música africana durante o primeiro teste do Festival de Vilar de Mouros (que teria a sua grande vez em 1971) - seguiu-se a primeira actuação do Duo Ouro Negro no Japão, em Osaka, durante a Expo-70, com dois espectáculos especialmente concebidos para o Osaka Hall, a sala maior do recinto.

E de facto - quase confirmando as previsões de Carlos Robalo - nos anos seguintes a carreira do grupo desenvolver-se-ia principalmente fora de Portugal Continental - uma longa estadia no Oriente, ao longo da qual foram editados vários discos do Duo no Japão, entre os quais o LP «O Espectáculo é Ouro Negro»; concertos em Angola, no Brasil e em Paris. A digressão de lançamento do álbum «Epopeia» foi lançada em Angola e na Austrália. Actuaram no Festival Mundial de Televisão em Knock Lezut, na Bélgica. Em Lisboa, o espectáculo «Blackground» recebeu novamente o Prémio da Imprensa, e o grupo manifestou a sua intenção de abandonar a criação de canções fúteis como «Maria Rita» e «Silvie» para se empenharem essencialmente na divulgação do folclore angolano. Haviam prosperado nos negócios, e tornaram-se sócios de uma empresa mineira em Angola, de que Milo era o presidente da administração. Raul descobrira entretanto o interesse pela pintura, tendo feito a sua primeira exposição em Lisboa, em 1973.

Em Fevereiro de 1974, entrevistado por Regina Louro para a revista «Flama», Milo apontava, com algum sarcasmo, algumas razões para há muito tempo não actuarem em Portugal: «Quais são os artistas portugueses que têm actuado aqui? A verdade é que não há um sítio, uma casa de music-hall para cantarmos. Os teatros têm os seus elencos, os cinemas o que querem é vender filmes, a televisão contrata como vedetas cançonetistas que lá fora ficam num plano inferior a nós. Ao artista português mais não resta do que esperar pelo Verão para ir a feiras, festas na província, ou a um ou outro casino nas estâncias balneares. Fora desse período está condenado a uma carreira internacional». Após a Revolução, a carreira do grupo prosseguiu, com um natural incremento de extroversão e libertarismo psicadélico. Nesse ano compuseram o tema «Baile dos Trovadores» para o festival RTP da Canção, interpretado por Rita Olivais. Em 1975 fizeram novas digressões nos EUA e na Europa, tendo apresentado na Alemanha o espectáculo «Blackground», com transmissão pela Eurovisão. Em 1976, nova digressão nos Estados Unidos, a que se seguiram três concertos no Festival de Perth, na Austrália, e uma reaparição no Olympia de Paris para um concerto único, do qual resultou um álbum gravado ao vivo.

A partir do final dessa década, a carreira do Duo Ouro Negro assumiria um ritmo mais calmo e uma maior concentração no trabalho de estúdio, de que resultaram álbuns como «Lindeza» (1978), o duplo álbum «Blackground» (1980), «Aos Nossos Amigos» (1984) e «África Latina» (1986). Pelo meio fizeram algumas grandes produções em palco, como o espectáculo «Império de Iemanjá», apresentado ao vivo no Teatro da Trindade em 1981 com um elenco que incluía 23 elementos, entre cantores, músicos e bailarinos. A morte de Milo, no final dos anos 80, encerraria a carreira do Duo Ouro Negro. Raul Indipwo encetou uma carreira a solo mas, após a criação da Fundação Ouro Negro, tem actuado essencialmente em saraus e espectáculos de benemerência.


© Jorge P. Pires (11Fev1997)

3 comentários:

Anónimo disse...

Deus os tenha...
Musica linda...

Anónimo disse...

Deus os tenha...
Musica linda...

joão portelinha disse...

ERAM VERDADEIROS ANGOLANOS. CONSEGUIRAM PROVAR QUE NOSSA CULTURA ANGOLANA É RICA, DIVERSA E BELA. CONSEGUIRAM SER FAMOSOS CANTANDO EM VÁRIOS IDIOMAS ANGOLANOS....PROVARAM QUE É VIÁVEL APOSTAR NA CULTURA AFRICANA AUTÊNTICA! É PENA QUE NÓS ANGOLANOS,POR VEZES, NOS ESQUEÇAMOS E QUESTIONAMOS OS NOSSOS HERÓIS, ELES FAZEM PARTE DO NOSSO PATRIMÔNIO CULTURAL, NOSSO FOLCLORE... HÁ DIVERSAS MANEIRAS DE SE SER PATRIOTA (NÃO SOMENTE COM ARMAS NA MÃO) COM VIOLAS SE FAZ UMA NAÇÂO, TAMBÉM! É PENA QUE A NOSSA IMPRENSA ANGOLANA POUCO FALOU DA MORTE DESTE GRANDE PATRIOTA, RAUL EDIPWO. ANGOLA NÃO SE PODE DAR O LUXO DE SE ESQUECER DE ANGOLANOS ASSIM... SUGIRO QUE O GOVERNO ANGOLANO OS HOMENAGEIE MESMO A TÍTULO PÓSTUMO. VIVA A CULTURA ANGOLANA, VIVA OS NOSSOS GRANDES E ILUSTRES FILHOS! VIVA O NOSSO PATRIMONIO CULTURAL!!!