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Em 1959, os amigos de infância Raul Indipwo e Milo Macmahon (ou Raul Cruz e Emílio Pereira, como foram conhecidos até 1973) fundaram em Vila Carmona, Angola o Duo Ouro Negro, cujo repertório, entre baladas e danças, era apresentado como um elenco do folclore angolano, das suas várias etnias e línguas. Milo trabalhava como regente agrícola e Raul era tesoureiro de uma firma de Luanda. Nesse mesmo ano, ao vê-los num espectáculo na capital angolana, um empresário lisboeta interessou-se pelo grupo e convenceu-os a virem actuar na Europa.
Lisboa serviu apenas como ponto de partida para uma carreira internacional que, ao longo da década de 60 os tornaria conhecidos na Europa, em África, e mesmo na América Latina e no Japão. Os primeiros discos gravados em Lisboa constituiram êxito imediato, a que se seguiram variadas exibições na rádio, na televisão e em diversas casas de espectáculos. Entre 1960 e 1963 efectuaram várias digressões na Europa, nomeadamente em Espanha (onde a Embaixada de Portugal lhes atribuiu a Medalha de Mérito), França, Suécia (onde a principal actuação foi no «Burns», em Estocolmo, com Eartha Kitt) e Finlândia, além de Angola e Moçambique. Após a gravação do álbum «Mulowa África», estrearam-se em 1965 no palco do Olympia, em Paris. Em 1966 - enquanto em Lisboa lhes era atribuído o Prémio da Imprensa - actuaram na Salle Garnier da Ópera de Monte Carlo, especialmente para os Príncipes do Mónaco, durante as comemorações do IV centenário daquele principado, e foram filmados em Paris para o programa televisivo «Les Argonauts». Em 1967 actuaram no Olympia durante três semanas em Maio e três semanas em Outubro, e participaram em vários espectáculos nas televisões europeias. Foram então convidados a actuar no II Festival Internacional de Música Pop do Rio de Janeiro, onde acabaram galardoados com a Medalha de Ouro, fazendo depois vários recitais no Teatro Cecília Meireles e no Canecão. No mesmo ano - aquele em que um dos ritmos da moda parisiense era a «kwela» lançada pelo Duo Ouro Negro - foram uma das grandes atracções internacionais convidadas a participarem no «Rendez-Vous avec Danny Kaye», um espectáculo de comemoração do 20º aniversário da UNICEF, transmitido em directo do Alhambra, em Paris, para mais de 200 milhões de telespectadores.
A partir de Paris ganharam o Canadá em 1968, com actuações em Montréal, no Teatro Maison Neuve, sendo os recitais acompanhados por excelentes críticas na imprensa. Foram assim convidados a actuar na gala de Abertura do MIDEM (então na sua terceira edição), e daí partiram para concertos em Bruxelas (Teatro Ancien Belgique), Liége e Antuérpia. Actuaram no programa «Europa 1», inaugurando um novo canal televisivo a cores em Bremen, Alemanha. Participaram também no Festival de Split, Jugoslávia, que foi transmitido em directo pela Eurovisão e Intervisão. Nesse mesmo ano, culminando uma intensa mas casuística colaboração com a RTP em programas de variedades, o Duo Ouro Negro concebeu e apresentou uma produção televisiva original, «A Rua d’Eliza», uma opereta africana com música, texto, coreografia e direcção de cena assinadas por Raul e Milo. O programa seria depois seleccionado para representar a televisão portuguesa no Festival de Milão. Antes de 1968 chegar ao seu termo, o Duo foi ainda aos Estados Unidos pela primeira vez: actuaram em Nova Iorque e em Chicago, e assinaram um contrato de representação com a Columbia Artists Management, preparando uma futura e mais intensa deslocação nos EUA.
Em 1969, na Argentina, fizeram dois recitais no Teatro Maipu, em Buenos Aires, gravaram quatro espectáculos televisivos e ainda o LP «Ouro Negro Latino», que em Portugal foi editado com o título «Sob o Signo de Yemanjá». O disco inclui a canção «El Fuego Compartido», composta para um grupo de estudantes argentinos, e também alguns trechos de Ataualpa Yupanki. Regressaram à Europa e a África para novas digressões, antes de, em Nova Iorque, actuarem no Waldorf Astoria.
Foi apenas em 1970 que consumaram a sua almejada digressão norte-americana. A 16 de Janeiro desse ano, a revista «Nova Antena» publicava uma reportagem da conferência de imprensa dos cantores no aeroporto de Lisboa, de partida para dois meses de digressão no Canadá e Estados Unidos. O empresário do grupo, Carlos Robalo, dizia aos repórteres presentes que aquilo que iriam ganhar era «O suficiente para não pensarmos mais em contratos em Portugal». Fariam 43 concertos em universidades e teatros de 37 estados diferentes, entre os quais o teatro da Metro Goldwyn Mayer, em Hollywood e Las Vegas. Após nova digressão por Angola e Moçambique - e uma noite de música africana durante o primeiro teste do Festival de Vilar de Mouros (que teria a sua grande vez em 1971) - seguiu-se a primeira actuação do Duo Ouro Negro no Japão, em Osaka, durante a Expo-70, com dois espectáculos especialmente concebidos para o Osaka Hall, a sala maior do recinto.
E de facto - quase confirmando as previsões de Carlos Robalo - nos anos seguintes a carreira do grupo desenvolver-se-ia principalmente fora de Portugal Continental - uma longa estadia no Oriente, ao longo da qual foram editados vários discos do Duo no Japão, entre os quais o LP «O Espectáculo é Ouro Negro»; concertos em Angola, no Brasil e em Paris. A digressão de lançamento do álbum «Epopeia» foi lançada em Angola e na Austrália. Actuaram no Festival Mundial de Televisão em Knock Lezut, na Bélgica. Em Lisboa, o espectáculo «Blackground» recebeu novamente o Prémio da Imprensa, e o grupo manifestou a sua intenção de abandonar a criação de canções fúteis como «Maria Rita» e «Silvie» para se empenharem essencialmente na divulgação do folclore angolano. Haviam prosperado nos negócios, e tornaram-se sócios de uma empresa mineira em Angola, de que Milo era o presidente da administração. Raul descobrira entretanto o interesse pela pintura, tendo feito a sua primeira exposição em Lisboa, em 1973.
Em Fevereiro de 1974, entrevistado por Regina Louro para a revista «Flama», Milo apontava, com algum sarcasmo, algumas razões para há muito tempo não actuarem em Portugal: «Quais são os artistas portugueses que têm actuado aqui? A verdade é que não há um sítio, uma casa de music-hall para cantarmos. Os teatros têm os seus elencos, os cinemas o que querem é vender filmes, a televisão contrata como vedetas cançonetistas que lá fora ficam num plano inferior a nós. Ao artista português mais não resta do que esperar pelo Verão para ir a feiras, festas na província, ou a um ou outro casino nas estâncias balneares. Fora desse período está condenado a uma carreira internacional». Após a Revolução, a carreira do grupo prosseguiu, com um natural incremento de extroversão e libertarismo psicadélico. Nesse ano compuseram o tema «Baile dos Trovadores» para o festival RTP da Canção, interpretado por Rita Olivais. Em 1975 fizeram novas digressões nos EUA e na Europa, tendo apresentado na Alemanha o espectáculo «Blackground», com transmissão pela Eurovisão. Em 1976, nova digressão nos Estados Unidos, a que se seguiram três concertos no Festival de Perth, na Austrália, e uma reaparição no Olympia de Paris para um concerto único, do qual resultou um álbum gravado ao vivo.
A partir do final dessa década, a carreira do Duo Ouro Negro assumiria um ritmo mais calmo e uma maior concentração no trabalho de estúdio, de que resultaram álbuns como «Lindeza» (1978), o duplo álbum «Blackground» (1980), «Aos Nossos Amigos» (1984) e «África Latina» (1986). Pelo meio fizeram algumas grandes produções em palco, como o espectáculo «Império de Iemanjá», apresentado ao vivo no Teatro da Trindade em 1981 com um elenco que incluía 23 elementos, entre cantores, músicos e bailarinos. A morte de Milo, no final dos anos 80, encerraria a carreira do Duo Ouro Negro. Raul Indipwo encetou uma carreira a solo mas, após a criação da Fundação Ouro Negro, tem actuado essencialmente em saraus e espectáculos de benemerência.
© Jorge P. Pires (11Fev1997)